domingo, 15 de agosto de 2010

Ressocialização de delinqüentes

Especialmente a partir do século XIX, o Estado, através do jus puniendi (direito de punir), estabeleceu a pena de prisão contra os violadores das normas penais incriminadoras. Inaugurada com o objetivo de ressocializar os delinqüentes, nisso flagrantemente fracassou. Vejamos os índices recentes.

A população carcerária total, em dezembro de 2007, era de 422.373 pessoas (em janeiro de 2008 este número passou para 427.134), sendo que 93,88% são homens. Os custodiados pelo sistema penitenciário dos Estados e pela polícia representam a taxa de 229,57 presos para cada 100 mil habitantes. Projeta-se, para dezembro de 2012, uma população carcerária total de 626.083 pessoas, um crescimento de 32,54% em relação a dezembro de 2007.

Também em dezembro de 2007, além dos 422.373 presos no país, entre condenados e provisórios, outras 422.522 pessoas cumpriam PMA’s (Penas e Medidas Alternativas). Em 2002, aquele número era de 248.685 mil, e este de apenas 102.403 mil (consideradas as PMA’s aplicadas e executadas).

Segundo estatística do Sistema Nacional de Informações Penitenciárias, em junho de 2008, o total populacional no sistema penitenciário era de 381.112 pessoas, entre homens e mulheres, enquanto havia 255.057 vagas. Além desses, eram 58.901 os detidos das Secretarias de Segurança Pública, para 22.790 vagas. No total, portanto, tínhamos 440.013 detidos para 277.847 vagas, havendo o déficit de 162.166 vagas. Assim, em apenas seis meses (dezembro de 2007 a junho de 2008), houve o aumento de 4,17% no número de detidos.

Ainda, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, através da Resolução nº 01 de 1997, indicou, à época, um déficit de cerca de 70.000 vagas no sistema prisional brasileiro, o que, conforme o Conselho, gerava “distorções com a absoluta impossibilidade de instalações condignas ao cumprimento da pena e à ressocialização do indivíduo infrator”. Somos, hoje, o quarto país do mundo em número de presos:

O Brasil é o quarto país do mundo no item explosão carcerária. De 1990 até 2008 o crescimento populacional penitenciário foi de 500%. Fechará o ano de 2008 com cerca de 500.000 presos. Alcançamos o quarto posto mundial em número de presos (cf. Julita Lemgruber, em Diário de Notícias de 29.11.07, p. 1). Nesse item, o Brasil só perde para EUA (cerca de 2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (cerca de 0,8 milhão) (cf. World Prison Population List, do International Center for Prison Studies do King’s College de Londres – www.kcl.ac.uk). Já ultrapassou a Índia, que conta com mais de um bilhão de habitantes. (Luiz Flávio Gomes)

Por fim, em notícia publicada em julho de 2008, o Ministério da Justiça divulgou que “mais de 80% das pessoas que estão nos presídios são reincidentes. (...) Cada apenado custa aos cofres públicos cerca de R$ 1,5 mil ao mês.”

Como tentativa de superar o problema, desde 1984 estão previstas no ordenamento jurídico brasileiro as penas e medidas alternativas, indicadas para crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, que somam cerca de 180 tipos penais. Mas seria essa a solução? Entendemos que não.

É que o próprio Estado reconhece que cerca de 10% das pessoas que recebem tais penas são reincidentes. Parece-nos um paliativo – notadamente se compararmos com a média de 80% de reincidência nos encarcerados –, mas não a solução, pois, repita-se, é aplicável em somente alguns casos e a reincidência não é eliminada. Mesmo que assim não fosse, como conseguir a ressocialização dos que já foram “iniciados” no sistema penitenciário tradicional? Deixaremos de lhes proporcionar uma oportunidade de mudança? Seria essa uma atitude correta e responsável do Estado e da sociedade?

A criminologia moderna “busca, em seu fim de justiça humana, a recuperação do infrator para a sociedade” (Cezar Roberto Bitencourt). De fato, a ressocialização é apontada como a finalidade principal da pena. Os doutos são uníssonos em dizer que a pena privativa de liberdade é um “mal necessário”, já que está falida em seu objetivo ressocializador (desde a década de 1980, no Brasil, há estudos apontando essa falência), seja por sua essência, seja pela má gestão da coisa pública ou pela forma como é cumprida. “Totalmente anacrônico, o sistema já provou, à exaustão, que não recupera o cidadão” (Emanuel Messias Oliveira Cacho). “A execução da pena através da prisão, ainda que batizada em condições excelentes, na realidade, não reabilita verdadeiramente o indivíduo (...)” (Orquinézio de Oliveira).

No mesmo passo, alguns indicam a pena privativa de liberdade como fator criminógeno (mola propulsora para o cometimento de novos delitos), no que têm razão, principalmente se considerarmos os elevados índices de reincidência e a degradação moral que proporcionam ao detido. “Já foi dito que o ambiente carcerário, por melhor que seja, apresenta aspectos criminógenos, impeditivos de qualquer possibilidade de ressocialização” (Carlos Lélio Lauria Ferreira). Outros, como Ana Sofia Schmidt de Oliveira, dizem, inclusive, que, por conta de uma engrenagem muito bem ajustada, levando ao retorno da delinqüência, a ressocialização seria impossível.

Há, realmente, um círculo vicioso. O indivíduo que delinqüe é condenado pelo Estado e levado à reclusão. Na prisão, aprende com os criminosos “mais experientes”. A associação a facções, se o agente já não é proveniente de uma no “mundo exterior”, se torna imperativa, principalmente se observarmos a necessidade de sobrevivência no ambiente carcerário. Não bastasse ser fruto de uma família desestruturada, é degradado pelas condições em que a pena lhe é imposta. Libertado (a) sem perspectivas de subsistência, (b) sem o apoio da família ou com a mesma totalmente desequilibrada, e (c) tendo aprendido a se conduzir de acordo com a cultura da prisão, o delinqüente, agora solto e “graduado” no crime, é rejeitado pela sociedade. O agente, assim, se vê atraído a cometer novos delitos e volta a delinqüir. Novamente preso, o círculo se inicia. Assim, “A estigmatização é um dos fatores que mais dificultam a obtenção da tão almejada ressocialização do delinqüente” (Cezar Roberto Bitencourt).

Mas, afinal, o que é ressocialização? Para a maioria dos estudiosos, o indivíduo estaria ressocializado quando não mais cometesse novos delitos. Nós, contudo, queremos entender que o delinqüente só pode ser tomado como ressocializado quando não mais volta a cometer crimes e não influencia outros a os cometerem.

A respeito dessa influência “negativa”, consideremos os criminosos que controlam as favelas, normalmente pelo poder do tráfico de drogas. Eles exercem uma “atração” para os jovens de sua comunidade, constituindo referenciais de vida pelo status que possuem. Assim, para uma completa ressocialização destes, não basta que não voltem a delinqüir, mas é imperativo que extirpem a influência que exerciam sobre aqueles que os seguiam ou se maravilhavam com suas condutas.

Nesta toada, o fato de um indivíduo não ser novamente preso não indica uma ressocialização efetiva. Ante a ineficiência do aparato persecutório estatal, não voltar à prisão não significa, necessariamente, não mais ter delinqüido. Nesse sentido, se uma pessoa nunca foi presa não significa que nunca tenha cometido um delito – os chamados “crimes do colarinho branco”, cujos autores quase nunca são presos, reforçam nossa tese.

Mas, então, como alcançar a tão sonhada ressocialização efetiva e plena, nos moldes como preconizamos?
Ao ser preso, o delinqüente acaba por passar pelo processo de dessocialização, entendido como a rejeição, pelo apenado, dos valores e normas da sociedade exterior, ocorrida, especialmente, pelo fenômeno da prisionalização (aprendizado da cultura carcerária). A seu turno, Alvino Sá indica alguns dos valores que devem ser apreendidos para a ressocialização, “como: dignidade humana, saúde, relações humanas (família, amizade, prestígio social), liberdade, paz, capacidade e condições de autodeterminação e senso de dever de cidadão.” Registramos, ainda, que não há qualquer possibilidade de ressocialização quando tentamos impô-la ao delinqüente; ele mesmo deve querer se emendar e corrigir sua conduta para que volte à sociedade sem que o crime lhe ofereça atrativos. E o que isso tem a ver com a Igreja cristã? Tudo!

Inegavelmente, Jesus Cristo e Seus ensinos têm influenciado o mundo. A valorização da vida humana, a compaixão para com os necessitados e o respeito devido à instituição familiar são alguns exemplos dos impactos causados pelo cristianismo sobre a humanidade. Os ensinos cristãos, no mesmo passo, são fundamentais para a ressocialização, pois viabilizam uma “nova vida”, composta de novos comportamentos (reflexo de novos valores) por parte dos reclusos que os seguem.

Amanda dos Santos Lemos, sobre esse aspecto, pontua: “Participar das atividades religiosas para [os] apenados representa muito mais do que sa¬tisfazer uma necessidade ou ocupar o tempo. Participar destas atividades para eles é “se entregar a Jesus, é a possibilidade de ter uma nova vida, de transformar as suas próprias existências”.” Edileuza Santana Lobo, por sua vez, declara: “(...) os evangé¬licos com sua militância explícita produzem agregação social ao apostar na transformação individual através da conversão, na auto-esti¬ma pelo discurso do amor, perdão e libertação e, por último, o sentido de pertencimento proporcionando assim a formação de um novo coletivo com uma identidade positiva. Esse percurso religioso é legitimado pelo uso da “Palavra”, no caso, através dos textos bíblicos que vão proporcionar o suporte para a atua¬ção dos agentes religiosos e a reprodução dos convertidos na prisão.” Rogério Greco, importante penalista, já escreveu: “Quem tem um pouco de experiência na área penal e conhece de perto o sistema carcerário sabe da importância e da diferença entre um preso convertido, ou seja, que teve um encontro com Deus [só possível através de Jesus Cristo, o Mediador], daquele outro que ainda não teve essa experiência pessoal e continua com os mesmos pensamentos que o levaram a praticar delitos. (...) Enfim, não podemos tirar a única palavra de esperança dos presos, que é a Palavra de Deus, razão pela qual o acesso [aos presídios] deve ser livre aos pregadores.”

É dever da Igreja genuinamente cristã viabilizar o acesso da população aos valores preconizados na Palavra de Deus, essenciais para a ressocialização dos delinqüentes, dentre os quais, destacamos: 1) respeitar o livre arbítrio (Dt 30.11,19, Ez 18.21-23,32 e 1Tm 2.4); 2) escolher o caminho do bem, e não do mal (Pv 4.14-19 e Rm 12.21); 3) buscar a companhia dos sábios (Pv 13.20), e não dos malfeitores (Pv 1.10-19); 4) expressar misericórdia (Lc 10.25-37); 5) revestir-se do “novo homem” (Ef 4.17-24,28 e Cl 3.5-11); 6) amar a Deus e ao próximo (Pv 14.26, Mt 22.35-40, Rm 13.8-10 e 1Jo 4.6-21); 7) eximir-se de ser ganancioso (Pv 22.1, Pv 23.4 e 1Tm 6.7-10,17-19); 8) dar importância à família (Pv 17.6, Pv 22.6 e Pv 23.22-25); 9) obedecer aos pais, no Senhor (Ef 6.1-4); 10) perdoar os que nos ofendem (Mt 6.12,14-15); 11) lembrar-se dos reclusos, como se presos com eles estivéssemos (Hb 13.3a); 12) saber que Deus o ama incondicionalmente e que, em Jesus Cristo, reconciliou o mundo consigo (2Co 5.18-20); 13) ser exemplo aos educandos (Pv 20.7, Jo 13.15 e Tt 2.6-8); 14) pautar-se na verdade (Jo 8.44); e 15) ter bons pensamentos e atitudes (Fp 4.8-9).

Mais uma questão é certa: a imensidão de testemunhos de ex-delinqüentes que, após a conversão a Cristo, conseguiram a ressocialização plena, fato que confirma nossos escritos, deveria ser muito mais propagada pela Igreja.

Os delinqüentes não precisam do desprezo do Estado, da sociedade, da Igreja e dos cristãos; precisam, sim, dos joelhos daqueles que, por Jesus Cristo, têm acesso direto ao Pai celeste. Oremos para que eles tenham um encontro verdadeiro com o Filho ressuscitado do Deus vivo, Único capaz de libertá-los do cárcere em que vivem! Que o Senhor Jesus nos ajude a não sermos apenas leitores, mas praticantes da Sua Palavra (Lc 6.46-49 e Tg 1.22) e, conseqüentemente, “luz do mundo” e “sal da terra” (Mt 5.13-16)!

Dever de Educar

A Constituição da República de 1988 dispõe, no art. 227, que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à (...) educação”. No mesmo passo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), no art. 33, expressa que “A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente”.


Considerados esses dispositivos, impende avaliar de que maneira os pais (e observemos que, segundo José Outeiral, a cada três bebês nascidos, um não é reconhecido pelo genitor), o Estado e a sociedade em geral podem contribuir para a educação de nossas crianças e adolescentes.

O processo educacional abrange dois níveis que se complementam, quais sejam, formal e informal. A educação formal corresponde à orientação escolar, e, nesse ponto, cabe i) ao Estado o fornecimento de uma Escola Pública de qualidade, estimulando os alunos a aplicar, em seus cotidianos, os conhecimentos apreendidos nas salas de aula, e, ii) aos pais, promover a matrícula dos filhos na escola e fiscalizar, de perto, o que lhes está sendo ministrado.

A educação informal, por sua vez, está vinculada à formação moral, cultural, espiritual, de caráter e personalidade, na qual se adquire “os princípios que nortearão [o nosso] futuro, como a dignidade pessoal, a honestidade, a correção da conduta, o respeito pelo semelhante, a responsabilidade profissional, dentre outras virtudes” (Arnaldo Rizzardo). “As crianças aprendem com os adultos, em geral dentro de casa, as maneiras de reagir à vida e como viver em sociedade. Aprendem as noções de direito e de respeito, de auto-estima, de ética, de moral, de disciplina, de justiça, o lidar com as frustrações e todas as formas de se portar diante da vida” (Haroldo Lopes).

Nesse sentido, a Igreja e outras entidades cristãs tem o dever social de viabilizar o acesso à população, especialmente às crianças em situação de risco, aos valores defendidos na Palavra de Deus, aptos a conduzir a uma educação integral, dentre os quais, destacamos: 1) importância da família (Sl 127.3 e Pv 22.6); 2) escolha do caminho do bem, e não do mal (Pv 4.14-19 e Rm 12.21); 3) buscar a companhia dos sábios (Pv 13.20); 4) expressar misericórdia (Lc 10.25-37); 5) amar a Deus e ao próximo (Mt 22.35-40 e 1Jo 4.6-21); 6) obedecer aos pais, no Senhor (Ef 6.1-4); 7) dever de sermos exemplo aos educandos (Jo 13.15 e Tt 2.6-8); 8) dever de correção e disciplina (Pv 3.12 e Hb 12.4-13); 9) perdoar aos que nos ofendem (Mt 6.12,14-15); 10) pautar-se na verdade (Jo 8.44); e 11) ter bons pensamentos e atitudes (Fp 4.8-9).

O próprio Cristo proferiu um maravilhoso ensinamento no Monte (Mt 5.1-2 a 7.28-29), como era seu costume (Mc 10.1).

Contudo, todas as extraordinárias lições acima indicadas podem ficar “no papel” se, efetivamente, não as aplicarmos.

Que o Senhor Deus nos ajude a não sermos apenas leitores, mas praticantes da Sua Palavra (Lc 6.46-49 e Tg 1.22)!

Apresentação

Dentro de alguns meses (poucos meses, espero) lançarei os livros Educação de Filhos: uma abordagem jurídico-cristã e Ressocialização no Cárcere: uma análise a partir da aplicação dos valores cristãos.

Esse blog será usado para compartilhar nossas impressões com os amigos, permitindo-nos um contato mais próximo.

Aqui divulgaremos também alguns eventos.

Até breve!

Em Cristo, que nos une...