quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Nota pelas liberdades de expressão e de consciência e crença

Nota pelas liberdades de expressão e de consciência e crença
 
Os membros integrantes do Grupo “Juristas de Cristo”, agrupamento que reúne diversos profissionais do Direito de diferentes correntes denominacionais, com a finalidade de reflexão sobre o Cristianismo e a Cidadania,
 
CONSIDERANDO a repercussão alcançada pela decisão da 6ª Vara Cível de Ribeirão Preto na Ação Civil Pública nº 2103/11, movida contra a igreja evangélica Casa de Oração, na qual foi determinado que se retirasse outdoor com três citações bíblicas que condenam a prática homossexual – quais sejam, Levítico 20:13, Romanos 1:26-27 e Atos 3:19 –, assim se manifestam:
 
A Constituição da República de 1988, no art. 5º, IV, consagra a liberdade de manifestação do pensamento, assegurando a exteriorização da opinião e a ausência de censura.  No mesmo passo, o inciso VI do mesmo artigo determina ser inviolável a liberdade de consciência e crença. Dessa feita, opinar contra ou a favor de determinado comportamento sexual é direito de todo cidadão, respeitado o não anonimato nas manifestações, como explícito na Carta Republicana, justamente com o objetivo de se responsabilizar por eventuais excessos.
 
Idêntico sentido pode ser percebido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos arts. XVIII (“Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.”) e XIX (“Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”).
 
Cabe ressaltar que a decisão, datada de 18/08/2011 , reconhece que “as mensagens expostas em via pública, mediante veiculação em outdoor, são trechos de passagens bíblicas.” Contudo, indica que “Tal circunstância, por si só, não justifica ou mesmo legitima [tal] conduta (...), na medida em que nossa República Federativa do Brasil constitui-se em Estado laico.”
 
Há, nesse ponto, um equívoco evidente: é que a Carta Magna revela nosso Estado como laico (ou seja, em que não há a adoção de uma religião oficial), mas não como ateu, sendo o ateísmo apenas uma das diversas manifestações diante da fé religiosa. Nestes termos, o respeito à divindade é devido e, sob o prisma jurídico, cabe recordas a invocação expressa a “Deus” em seu preâmbulo. Além disso, o mesmo diploma confere a possibilidade de os entes da federação adotarem regime de “colaboração de interesse público” com “cultos religiosos ou igrejas” (art. 19, I).
 
Outrossim, caso valesse a simplória argumentação do decisum, dever-se-ia promover, por exemplo, a mudança dos nomes religiosos dados a Estados (ex.: Espírito Santo) e Municípios (ex.: Santo Amaro) do país, bem como demolir o Cristo Redentor. Não é esse, logicamente, o princípio constitucional.
 
Ademais, a liminar pontua que “As expressões contidas nas referidas passagens bíblicas são homofóbicas, possuindo verdadeiro conteúdo discriminatório e preconceituoso.” O magistrado, com isso, pretende disseminar que a própria Bíblia, veículo de fé da imensa maioria do povo brasileiro, merece ser banida, ao menos em alguns de seus trechos.
 
Tal medida afronta, de forma escancarada, toda a construção sócio-histórica da nação, além de tratar com desdém o Livro Sagrado, base de fé de quem professa o Cristianismo. Tem-se aqui, na verdade, uma real “bibliofobia”.
 
Destarte, fica patente que o outdoor suso referido está abarcado pela proteção constitucional, já que expressa o livre exercício do direito à liberdade de manifestação de crença. E, assim, apesar de os homossexuais merecerem o justo respeito dos cristãos – e de todo o povo brasileiro –, tal não significa que esses devam ser obrigados a se calar ante condutas que afrontam radicalmente a fé que professam.
 
Por fim, é importante perceber que o discurso religioso alocado no outdoor é de denúncia do pecado e convite ao arrependimento e ao perdão. Inexiste incitação de ódio ou violência. Essa violência contra a comunidade LGBTT é sabidamente praticada por outros grupos, e merece punição exemplar, assim como a praticada contra qualquer outro agrupamento humano.
 
Ante o exposto, temos que o legítimo posicionamento democrático nunca deve admitir a anulação dos fundamentais direitos da personalidade humana. Por conseguinte, este grupo vem manifestar-se, publicamente, no sentido de denunciar tamanha violação cometida pela citada decisão judicial, consignando, aqui, seu firme posicionamento em prol do sagrado direito de expressão de opinião e de crença.
 
Era o que nos cumpria.

Juristas de Cristo

domingo, 8 de maio de 2011

A união estável homossexual continua sendo inconstitucional

Ultrapassadas as tensões referentes ao julgamento, pelo STF, da ADI 4277 nos dias 04 e 05 de maio de 2011, procedemos à avaliação da decisão, baseada, essencialmente, nos votos proferidos pelos Ministros da Corte Superior. Para tanto, fizemos a leitura de todas essas manifestações divulgadas no site do próprio Tribunal, veículo informativo oficial que é. Pois bem.


1.      Os votos dos Ministros

Segundo o Min. Ayres Brito (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277.pdf), “o sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica”. (grifo no original) Ainda, enfatiza que o “conceito de família”, entabulado no caput do art. 226 da CRFB/88, “deve servir de norte para a interpretação dos dispositivos em que o capítulo VII se desdobra”, pontuando:
Mas tanto numa quanto noutra modalidade de legítima constituição da família [casamento e união estável], nenhuma referência é feita à interdição, ou à possibilidade, de protagonização por pessoas do mesmo sexo. Desde que preenchidas, também por evidente, as condições legalmente impostas aos casais heteroafetivos.

O Min. Luiz Fux (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178858) ressaltou que “A Constituição Federal, quando consagrou a união estável, positivamente não quis excluir a união homoafetiva”.
A afirmação do ministro é uma resposta ao argumento de que a Constituição somente permitiria o reconhecimento da união entre um homem e uma mulher e que a alteração dessa interpretação dependeria de uma emenda do Congresso. Segundo o ministro Fux, a consequência direta de a Constituição estabelecer, entre outros princípios, que todos os seres humanos são iguais perante a lei, é a de que os casais homossexuais formam, perante a lei, uma união estável comparável à família.

Mas é exato que a referência expressa a homem e mulher garante a eles, às expressas, o reconhecimento da união estável como entidade familiar, com os consectários jurídicos próprios. Não significa, a meu ver, contudo, que se não for um homem e uma mulher, a união não possa vir a ser também fonte de iguais direitos. Bem ao contrário, o que se extrai dos princípios constitucionais é que todos, homens e mulheres, qualquer que seja a escolha do seu modo de vida, têm os seus direitos fundamentais à liberdade, a ser tratado com igualdade em sua humanidade, ao respeito, à intimidade devidamente garantidos.
Para ser digno há que ser livre. E a liberdade perpassa a vida de uma pessoa em todos os seus aspectos, aí incluído o da liberdade de escolha sexual, sentimental e de convivência com outrem.
(...)
Aqueles que fazem opção pela união homoafetiva não pode ser desigualado em sua cidadania. Ninguém pode ser tido como cidadão de segunda classe porque, como ser humano, não aquiesceu em adotar modelo de vida não coerente com o que a maioria tenha como certo ou válido ou legítimo.

No mesmo passo, o Min. Ricardo Lewandowski (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277RL.pdf), citando o julgamento do RE 397.762/BA, informa que a Min. Cármen Lúcia afirmara que, no que toca a união estável, “a Constituição quer que um homem e uma mulher possam unir-se e que essa união, adquirindo estabilidade, possa vir a se converter em casamento”. Ainda, considerou:
Assim, segundo penso, não há como enquadrar a união entre pessoas do mesmo sexo em nenhuma dessas espécies de família [elencadas no art. 226], quer naquela constituída pelo casamento, quer na união estável, estabelecida a partir da relação entre um homem e uma mulher, quer, ainda, na monoparental.
(...)
Com efeito, a ninguém é dado ignorar – ouso dizer - que estão surgindo, entre nós e em diversos países do mundo, ao lado da tradicional família patriarcal, de base patrimonial e constituída, predominantemente, para os fins de procriação, outras formas de convivência familiar, fundadas no afeto, e nas quais se valoriza, de forma particular, a busca da felicidade, o bem estar, o respeito e o desenvolvimento pessoal de seus integrantes.

Em sua análise, outrossim, cita o §4º do art. 226 – “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” – argumentando que a expressão “também” é capaz de colocar o rol de famílias preconizado pelo aludido artigo como exemplificativo, e não exaustivo.
No que toca à tramitação do texto na Assembléia Constituinte, declara:
Verifico, ademais, que, nas discussões travadas na Assembléia Constituinte a questão do gênero na união estável foi amplamente debatida, quando se votou o dispositivo em tela, concluindo-se, de modo insofismável, que a união estável abrange, única e exclusivamente, pessoas de sexo distinto.
(...)
Os constituintes, como se vê, depois de debaterem o assunto, optaram, inequivocamente, pela impossibilidade de se abrigar a relação entre pessoas do mesmo sexo no conceito jurídico de união estável. Não há, aqui, penso eu, com o devido respeito pelas opiniões divergentes, como cogitar-se de uma de mutação constitucional ou mesmo de proceder-se a uma interpretação extensiva do dispositivo em foco, diante dos limites formais e materiais que a própria Lei Maior estabelece no tocante a tais procedimentos, a começar pelo que se contém no art. 60, § 4º, III, o qual erige a “separação dos Poderes” à dignidade de “cláusula pétrea”, que sequer pode ser alterada por meio de emenda constitucional.
(...)
O que se pretende, ao empregar-se o instrumento metodológico da integração, não é, à evidência, substituir a vontade do constituinte por outra arbitrariamente escolhida, mas apenas, tendo em conta a existência de um vácuo normativo, procurar reger uma realidade social superveniente a essa vontade, ainda que de forma provisória, ou seja, até que o Parlamento lhe dê o adequado tratamento legislativo.

            Ao final, aponta que,
para que sejam aplicadas às uniões homoafetivas, caracterizadas como entidades familiares, as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais, excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, até que sobrevenham disposições normativas específicas que regulem tais relações.

A seu turno, o Min. Joaquim Barbosa (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178888) destacou que
o fundamento constitucional para o reconhecimento da união homoafetiva não está no artigo 226, parágrafo 3º - visivelmente destinado a regulamentar uniões informais entre homem e mulher -, mas em todos os dispositivos constitucionais que estabelecem a proteção dos direitos fundamentais.
(...) a Constituição Federal não cita, nem proíbe o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas, mas a própria Carta estabelece que o rol de direitos fundamentais do cidadão não se esgota naqueles expressamente elencados por ela.

Para o Min. Gilmar Mendes (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178918), “a ideia de opção sexual está contemplada na ideia de exercício de liberdade e do direito de cada indivíduo de autodesenvolver sua personalidade. Ele acrescentou que a falta de um modelo institucional que proteja casais homossexuais estimula a discriminação.
A Min. Ellen Gracie (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178937) identificou que na África do Sul e no Canadá a matéria em questão só obteve avanço por conta de decisões judiciais.
Outrossim, o Min. Marco Aurélio (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277MA.pdf) caminha no sentido de que
o § 3º desse artigo expressamente impôs ao Estado a obrigatoriedade de reconhecer os efeitos jurídicos às uniões estáveis, dando fim à ideia de que somente no casamento é possível a instituição de família. Revela-se, então, a modificação paradigmática no direito de família. Este passa a ser o direito “das famílias”, isto é, das famílias plurais, e não somente da família matrimonial, resultante do casamento. Em detrimento do patrimônio, elegeram-se o amor, o carinho e a afetividade entre os membros como elementos centrais de caracterização da entidade familiar. Alterou-se a visão tradicional sobre a família, que deixa de servir a fins meramente patrimoniais e passa a existir para que os respectivos membros possam ter uma vida plena comum.
(...)
A afetividade direcionada a outrem de gênero igual compõe a individualidade da pessoa, de modo que se torna impossível, sem destruir o ser, exigir o contrário. Insisto: se duas pessoas de igual sexo se unem para a vida afetiva comum, o ato não pode ser lançado a categoria jurídica imprópria. A tutela da situação patrimonial é insuficiente. Impõe-se a proteção jurídica integral, qual seja, o reconhecimento do regime familiar.
(...)
Vale dizer: ao Estado é vedado obstar que os indivíduos busquem a própria felicidade, a não ser em caso de violação ao direito de outrem, o que não ocorre na espécie. Certamente, o projeto de vida daqueles que têm atração pelo mesmo sexo resultaria prejudicado com a impossibilidade absoluta de formar família. Exigir-lhes a mudança na orientação sexual para que estejam aptos a alcançar tal situação jurídica demonstra menosprezo à dignidade. Esbarra ainda no óbice
constitucional ao preconceito em razão da orientação sexual.

O decano do STF, Min. Celso de Mello (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178942) ratificou: “Havendo convivência duradoura, pública e contínua, entre duas pessoas, com objetivo de constituição de família - nesse sentido mais amplo -, mister reconhecer a existência de união estável, independente do sexo dos parceiros.
Por fim, o Presidente da Corte, Min. Cezar Peluso (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178946) “considerou que as normas constitucionais - em particular o artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal - não excluem outras modalidade de entidade familiar”, bem como reconheceu “a existência de uma lacuna normativa que precisa ser preenchida (...) diante, basicamente, da similitude, não da igualdade factual em relação a ambas as entidade de que cogitamos: a união estável entre homem e mulher e a união entre pessoas do mesmo sexo”.

Feitas essas anotações, passemos à análise pormenorizada.


2.      As avaliações possíveis a partir dos votos

De fato, no plano normativo, temos que a interpretação do art. 1.723 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/02) deve estar acorde com o disposto no art. 226, §3º, da Constituição da República, por uma regra básica de interpretação: a maior hierarquia do texto Magno. Segundo o preceito constitucional, “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
 
Outrossim, os princípios constitucionais alegados para o deferimento da união homossexual (entre outros, dignidade da pessoa humana, igualdade e vedação do preconceito) não podem fazer eliminar os requisitos constitucionalmente declinados para um instituto – como, no caso, a diversidade de sexo. Ora, se, segundo o dispositivo, o Estado deve proteger e reconhecer a união “entre o homem e a mulher”, é evidente que o não o quer fazer em relação às uniões homossexuais! A norma, por princípio hermenêutico, não contem palavras inúteis.

            Nestes termos, repise-se, claro nos parece que a dualidade de sexos é, sim, um requisito constitucional. E isso é manifesto, inclusive, do que se colhe da tramitação do texto na Assembléia Constituinte, como salientou o Min. Lewandowski. A intenção do constituinte originário era, cristalinamente, excluir a união homossexual da proteção do Estado. Portanto, fica descabida a ocorrência de inconstitucionalidade originária (numa confrontação do art. 226,§3º com, p. ex., o art. 3º, IV), dada a unidade da Constituição, conforme interpretação corrente da doutrina e do próprio STF.

            Além disso, é interessante notar que o Ministro, embora em dado momento postule pela discussão do texto na Assembléia, indique que o método integrador adotado em seu voto é cabível pela busca de se “reger uma realidade social superveniente a essa vontade”. Há, aqui, uma evidente incoerência. Se a tal “realidade social”, ou seja, a união estável homossexual, foi devidamente debatida, como pode ser superveniente àquela? Impossível!
           
Aludido intérprete, ainda, citando o §4º do art. 226 (“Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”), e baseado no entendimento de Paulo Luiz Netto Lobo, argumenta que a expressão “também” é capaz de colocar o rol de famílias preconizado pelo aludido artigo como exemplificativo, e não exaustivo.

Mais uma vez, razão não lhe assiste. Qualquer um que entenda minimamente da língua portuguesa apontará que o aludido termo tem o condão de, apenas, declinar a “família monoparental” como “entidade familiar”, ao lado do casamento – civil e religioso – e da união estável entre homem e mulher. Não há, aqui, sequer um indício de tal consista em cláusula de abertura.

Nesse passo, nada melhor tratarmos de “língua portuguesa”, que, a teor do art. 13 da Constituição, “é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. Já que, segundo o STF, por não haver vedação expressa (embora já tenhamos nos manifestado pela mesma linhas acima) quanto à união homossexual, deve ela ser reconhecida, dever-se-ia também, em processo próprio, declarar que línguas africanas e indígenas, como o Iorubá e a dos Trumaí, respectivamente, também fossem idiomas oficiais. Como o art. 13 está inserido no Cap. III, “Da nacionalidade”, por sua vez imerso no Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, e considerando os princípios pétreos de igualdade e a vedação dos preconceitos de raça e cor (art. 3º, IV), na forma como posto desde 1988, nessa linha de raciocínio, o mesmo deve ser adequado ao panorama plural de nossa sociedade. E é importante ressaltar que, segundo relatório da FUNAI (http://www.funai.gov.br/indios/conteudo.htm#LINGUAS), “muitos índios falam unicamente sua língua”. Afinal, argumentar-se-ia, são línguas de povos que desde sempre sofrem preconceitos em nossa sociedade, e vem que, em sua nação, sua língua materna não é “respeitada” como oficial.
           
            Ainda, a Corte, unanimemente, foi favorável à união homossexual sob o argumento da liberdade na constituição das famílias, que deve se pautar, também, pela felicidade dos seus membros, pelo respeito ao modus vivendi que quiserem imprimir, pelo bem estar e autodesenvolvimento da personalidade, em relações fundadas na busca de amor, carinho e afeto, desde que não ofendam aos outros.

            Nesse panorama, então, estar-se-ia permitindo, por certo, a poligamia e o incesto (uniões entre pais e filhos, irmãos, tios e sobrinhos...), desde que consentido entre seus membros. Pois, já que não provocariam nenhum “mal” a outrem, devem encontrar guarida na “pluralidade de famílias” defendida pelos Ministros.

            E mais. Poder-se-á cogitar, inclusive, da liberação da pedofilia, que, segundo alguns estudiosos, é simples “orientação sexual” (http://fenasp.com/site/index.php/category/noticias/page/6 e http://cpf22.blogspot.com/2011/05/psicologo-diz-que-pedofilia-e.html), como o é a hetero e homossexualidade. Há nessa situação, é claro, o dever de proteção das crianças; contudo, no caminho em que andam as coisas, em breve haverá os que defendam que crianças de 12, 10, 8 anos ou menos já não sejam tão “inocentes”, e, portanto, responsáveis e capazes de se decidir por relações sexuais.

Aliás, inclusive, já tem sido esse o argumento albergado nos Tribunais pátrios, por exemplo, quando se exclui a presunção de violência nos crimes de estupro quando a vítima, embora menor de 14 anos (Código Penal, arts. 213 c/c 224, “a”, que, após a Lei 12.015/2009, passou a capitular-se no art. 217-A como “vulnerabilidade”), já tenha “vida sexual ativa”.


3.      Conclusão

De todo o exposto, somos, ainda, pela impossibilidade jurídica (leia-se, inconstitucionalidade) do reconhecimento de união estável homossexual, quadro que pode ser alterado apenas através de emenda ao texto constitucional.

Era o que nos cumpria.
 
Antonio Carlos da Rosa Silva Junior (Juiz de Fora / MG). Bacharel em Direito, Especialista em Ciências Penais e em Direito e Relações Familiares, Mestrando em Ciência da Religião, Presidente do Projeto Desperta, Membro do Juristas de Cristo e da Coordenação Jurídica Nacional da FENASP, Professor, Escritor, Conferencista e autor do site http://www.direitoereligiao.com.br/.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

União estável homossexual é INCONSTITUCIONAL!

     No calor da discussão a respeito da (im)possibilidade do reconhecimento da chamada “união estável homossexual”, dada a votação da ADPF 132, iniciada hoje (04/05/2011) no STF, vimos nos manifestar pela inconstitucionalidade patente do voto proferido pelo Min. Aires Brito.

     De fato, no plano jurídico, temos que a interpretação do art. 1.723 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/02) deve estar acorde com o disposto no art. 226, §3º, da Constituição da República, por uma regra básica de interpretação: a maior hierarquia do texto Magno. Segundo o preceito constitucional, “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

     Nestes termos, os princípios constitucionais alegados para o deferimento da união homossexual (entre outros, dignidade da pessoa humana e igualdade) não podem fazer eliminar os requisitos constitucionalmente declinados para um instituto – como, no caso, a diversidade de sexo. Se assim fosse, teríamos a ocorrência de inconstitucionalidade originária, o que é descabido dada a unidade da Constituição, conforme interpretação corrente da doutrina e do próprio STF.

     Outrossim, enquanto pertencente aos quadros do Poder Judiciário, não pode o STF se arvorar como “legislador constitucional”, suprimindo aspectos textuais expressos.

     Portanto, somos, para o momento, pela impossibilidade jurídica do reconhecimento de união civil homossexual, quadro que pode ser alterado apenas através de emenda ao texto constitucional.

     Esperamos, no mais, que o STF adote uma postura verdadeiramente jurídica, e não ideológica.

sábado, 30 de abril de 2011

A discriminação na sigla LGBTT

            A sigla LGBTT, que é um acrônimo de “Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais”, visa identificar esses cinco segmentos populacionais com orientação sexual minoritária, buscando, para tais, a eliminação de preconceitos e discriminações. A questão, contudo, é que, diariamente, várias pessoas decidem pessoalmente alterar tal orientação, se tornando, então, ex-lésbicas, ex-gays...
            Verificando o arcabouço normativo brasileiro a respeito da diversidade sexual, ainda em construção, constatamos que esse segundo grupo se encontra em completo esquecimento. Assim, essa legítima expressão da sexualidade humana está relegada à indiferença estatal.
            E isso ocorre até mesmo porque nossa sociedade, em muitas oportunidades, sequer reconhece as suas existências. Muitos dizem, p. ex., que é impossível ser “ex-gay”... mas será isso verdade? Entendemos que não, e o livro de Claudemiro Soares, Homossexualidade masculina: escolha ou destino?, nos esclarece nesse assunto.
            Salientamos, outrossim, que nossa reflexão, nesse breve artigo, não é a respeito da (des)necessidade e (des)legitimidade de o Estado promover, através de políticas públicas, a defesa da causa das minorias sexuais. Tal demandaria uma discussão muito mais robusta que nosso espaço não nos permite. Queremos, isso sim, propor uma nova perspectiva de abordagem.
            Para tanto, entendemos que os “ex” também devem ter espaço de manifestação e amparo contra qualquer tipo de violência e discriminação infundada. E, aqui, o problema é muito mais complexo.
            Por certo, o grupo LGBTT, sob o discurso de busca pela igualdade, tem conseguido efetiva proteção estatal de suas causas, como na elaboração do malfadado “kit de combate à homofobia nas escolas” (mais conhecido como “kit gay”), no PNHD-3 e na criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
            O grupo dos “ex”, lado outro, sequer tem o reconhecimento de sua existência... e aqui, por isso mesmo, a luta é descomunal. Ora, se, como já dissemos, muitos segmentos da sociedade sequer lhe reconhecem enquanto tal, como alcançar um mínimo de visibilidade?
            Entendemos, então, que cabe ao Estado conferir existência social a essa população de ex, sob pena de se lhe surrupiar um mínimo de dignidade humana. Para tanto, defendemos que todas iniciativas estatais devam incluí-la, notadamente, mas não só, com alteração da sigla, que deve passar a ser “Ex-LGBTT”.
            A urgência dessa demanda é patente; seu atendimento, portanto, deve ser imediato, sob pena de o próprio Estado promover a continuidade da discriminação, insidiosa e cruel.

Breves considerações acerca do vídeo 'Probabilidade'

O vídeo "Probabilidade" faz parte do malfadado "Kit Gay", levado a cabo pelo Ministério da Educação e Cultura, que, sob o pretexto de combater a "homofobia", acaba por promover a conduta homossexual. Vejamos.
O filme traz a estória de Leonardo, um adolescente que, após ter de se mudar para outra cidade, acaba conhecendo Mateus e se apaixonando pelo primo deste, na mesma intensidade com que se apaixonara por uma garota de sua cidade natal.
Na tentativa de se demonstrar o pretenso preconceito sofrido pelos homossexuais, Leonardo e Mateus, em dado momento do filme, são apontados como "namoradinhos", recebendo dedos rijos que os apontavam em seu ambiente escolar ("Escola Municipal"). Disso se denota que os adolescentes tenham, no máximo, 17 anos, idade em que os mesmos, de regra, concluem o Ensino Médio.
Nesse passo, impende considerarmos que os cristãos, segundo recente matéria publicada na Revista Veja, são o grupo mais perseguido do mundo, e, em contraponto, não recebem nenhum incentivo de campanhas governamentais contra a discriminação de que são vítimas.
Ademais, resta evidente no vídeo que não se trata, simplesmente, de conscientizar os estudantes contra a homofobia, mas, sim, de favorecer o comportamento homossexual, numa espécie de apologia às suas condutas. E isso fica claro em todo o filme, mas, mais evidentemente, quando é exposto que uma pessoa bissexual teria quase que uma chance 50% maior de ser feliz, encontrando um(a) parceiro(a).
Assim, embora a FENASP se poste favoravelmente a que o grupo LGBT tenha o direito de expressar sua opção sexual, é radicalmente contra a que o Estado incentive a cultura homossexual, seja através do financiamento do aludido "kit gay", seja através de sua distribuição nas escolas.
Aduz-se, ainda, que o aludido kit atende, preponderantemente, aos interesses do movimento gay, em detrimento dos interesses educacionais, pois valores como tolerância e respeito podem muito bem serem ensinados a partir do próprio texto constitucional de 1988.
É nesse sentido, outrossim, que a FENASP elaborou o "Manifesto contra o 'Kit Gay' (Kit de Combate à Homofobia nas Escolas)" - http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N8370 -, devidamente argumentado, recomendando-se sua assinatura e divulgação.
Era o que nos cumpria.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Infanticídio indígena e os Direitos Humanos na perspectiva do “mínimo ético irredutível”

            O debate acerca dos direitos humanos perpassa, sempre, pela discussão entre as perspectivas do universalismo e do relativismo cultural. Para aquela, todas as pessoas, independentemente de sua linhagem racial, devem ser alcançadas pelos documentos internacionais de proteção; para essa, lado outro, as formações políticas, econômicas e culturais, por serem diversas em cada sociedade e sempre circunstanciadas (espaço e tempo específicos), acabam por inviabilizar a aceitação de uma moral universal, já que cada cultura produziria seus próprios valores.
            Cabe-nos destacar, outrossim, que os tratados e instrumentos internacionais sobre direitos humanos são, inegavelmente, universalistas. Expressões como “todas as pessoas” e “todas as crianças”, encontradas, respectivamente, no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e no princípio I da Declaração dos Direitos da Criança nos traduzem essa tônica.
            E é nesse mesmo sentido que encontramos o §5º da Declaração de Viena de 1993, que teve 171 nações signatárias, entre elas o Brasil: “Todos os Direitos do homem são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional tem de considerar globalmente os Direitos do homem, de forma justa e equitativa e com igual ênfase. Embora se devam ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas político, econômico e cultural, promover e proteger todos os Direitos do homem e liberdades fundamentais.”
            De toda forma, embora os relativistas argumentem pela tentativa de um imperialismo cultural por parte dos países ocidentais, certo é que deve haver a proteção de direitos pautada, pelo menos, em um “mínimo ético irredutível”. E, embora o alcance desse “mínimo ético” seja bastante debatido entre os estudiosos – e nosso espaço para o presente texto não nos permita maiores digressões sobre o tema –, certo é que, sem a vida, nenhum outro direito pode ser exercido.
            Isso posto, consideremos que a cultura do infanticídio, presente em algumas (frise-se) tribos indígenas brasileiras, defende, por exemplo, que crianças com deficiências física ou mental sejam mortas em favor da coletividade (acredita-se que deixar a criança viva traria maldição dos deuses ancestrais para toda a tribo). Nesse contexto, de se destacar o filme “Quebrando o silêncio”, em que foram colhidos depoimentos de indígenas que desejam extirpar o infanticídio das tribos, sendo obrigados, inclusive, a sair das aldeias para salvar a vida de seus filhos.
Destarte, na temática do infanticídio indígena, peremptoriamente, deve o Estado intervir, viabilizando a esses brasileirinhos o direito mais básico e fundamental, qual seja, o direito à vida, protegido, inclusive, pela Constituição da República de 1988 (art. 5º, caput).

A ilegalidade da “Marcha da maconha”

            O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro divulgou ontem (28 de abril de 2011) que os manifestantes da “Marcha da maconha”, prevista para acontecer no dia 07 de maio, poderão fazê-lo sem risco de prisão, desde que, no movimento, não usem nem incentivem o uso do entorpecente. A mesma “marcha” está programada para acontecer, ainda esse ano, em mais 16 cidades (marchadamaconha.org).
            Sob o argumento da liberdade de expressão se está, indubitavelmente, promovendo uma das maiores manifestações em apologia a condutas criminosas na história do Brasil. Vejamos.
             A Lei nº 11.343/06, cabe ressaltar, não promoveu a descriminalização do uso de drogas. Seu art. 28, inserido que está no capítulo III (“dos crimes e das penas”), aduz, por exemplo, que quem tiver a posse de drogas para consumo pessoal “será submetido às seguintes penas”. Houve, é bem verdade, uma desprisionalização, já que o indivíduo não mais pode ser levado à prisão; mas, de fato, a conduta continua sendo criminosa e é punida penalmente.
            Ainda, a aludida lei dispõe, no §2º do art. 33, a detenção de um a três anos, e multa, para aquele que “induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga”. No mesmo passo, o art. 287 do Código Penal pune com detenção de três a seis meses, ou multa, o “fazer, publicamente, apologia [discurso ou escrito que defende, justifica ou elogia uma pessoa, coisa ou conduta] de fato criminoso ou de autor de crime”, norma que só prevalece quando a conduta, no caso específico das drogas, não se enquadrar no tipo penal do art. 33, §2º, dada a especialidade. Pois bem.
            Será mesmo possível que, numa “Marcha da maconha”, não haja sequer uma manifestação de induzimento (criar a idéia) ou instigação (reforçar idéia já existente) ao uso da droga? Cremos que não; e, para embasar nossa tese, utilizar-nos-emos do panfleto que é distribuído nas passeatas (http://blog.marchadamaconha.org/downloads/panfletos/panfletoMM_impressao[2011][BR].pdf).
            Comecemos pela segunda frase, que prima pela hipocrisia: “Tabaco e álcool são drogas mais nocivas do que a maconha e são legalizadas. Por quê?” Não é porque uma conduta errada é “legal” que outra, menos errada, deveria sê-lo. Note-se que a assertiva deixa implícito que a maconha também é nociva, embora tabaco e álcool o sejam mais. Ao invés de se buscar a “ilegalização” dessas duas últimas substâncias, quer-se legalizar um comportamento altamente nocivo.
            A conjugação das duas frases seguintes – “O comércio ilegal gera violência, corrupção, mortes e sonegação de impostos” e “Com a legalização, os impostos podem ser revertidos para a saúde e educação públicas” – provoca um impacto gigantesco. Quer-se dizer: já que as pessoas usam, é melhor que o façam legalmente! Mas, quem, afinal, pode nos garantir que eventual dinheiro arrecadado com impostos não será desviado dos cofres públicos, como muitas vezes acontece? Além disso, a legalização não será capaz de acabar com a violência, a corrupção e as mortes...
            Poder-se-ia dizer, por outro lado, que, nessas frases, não há qualquer induzimento ou incentivo ao uso da droga, pois, independentemente do escrito no panfleto, as pessoas já o fazem. Seria, então, a mesma coisa que escrever: “O comércio ilegal de armas gera mortes e sonegação de impostos. Com a legalização das armas, os impostos servirão à saúde e educação públicas.” Nessa lógica de raciocínio, “já que as pessoas matam por meio de armas de fogo, é melhor que matem com armas registradas, que, pelo menos, geram arrecadação”. Se meu leitor acredita que, nesse caso, há apologia ao crime de homicídio, deve também pensar que, naquele, há apologia ao crime de uso da droga.
            Finalmente, a primeira frase do panfleto, que impressiona pela generalização: “A sociedade usa a maconha a milhares de anos para uso medicinal, recreativo e econômico.” O tratamento dado à droga é de normalidade, ao invés de exceção; diz-se como se todos, indistintamente, fizessem uso da mesma. Ora, como algumas pessoas, ou, melhor dizendo, a maioria delas, cultural e sociologicamente, tendem a “copiar”, a manter o modus vivendi social, tenderiam também, ao ler essa “informação”, a usar a droga, já que toda a sociedade o faria. Outrossim, basta que se perceba o “uso da droga pela sociedade” como discurso de legitimação da conduta.
            Nestes termos, sou rigorosamente favorável à liberdade de expressão, desde que não haja o cometimento de crimes. No caso, como visto, isso é impossível! Portanto, somos pela ilegalidade da nefasta “Marcha da maconha”.